Ainda sobre a história da Dora...
Que muito já foi falada, mas sobre a qual tenho pensado tanto e não podia deixar passar em branco.
É que nesta sua jornada há tanto de mim. Porque sou Mãe. Porque sou artista. Porque vivo em Portugal. Porque se percebe que foi o último recurso da cantora, da Mãe.. E como isso me revolta...
E porque estas premissas todas juntas fizeram com que esta artista tivesse que aceitar um trabalho humilde e mal pago. Mais ainda... no MacDonalds. E é isso que me mete confusão. Porquê no MacDonalds? Todos sabemos que os turnos são compridos e que os seus empregados são muito mal pagos, até um bocadinho abaixo do que o normal do que noutras lojas, cafés, restaurantes... Porquê aí e não noutro sítio?.. Parece quase castigo, porra!
Enfim, a verdade é que este país está completamente subvertido em valores, nomeadamente os culturais. Um país em que se descartam as pessoas que há anos fazem trabalhos artísticos e na comunicação por meninos que mal sabem falar português, que cantam como canas rachas, que dizem ser djs usando softwares que fazem o trabalho por eles, que apregoam que o sonho da vida deles é "ser atores". De quê?? De novela claro!! Julgam que é facil, que se ganha muito e que os fará viver eras de protagonismo.
Este é o país que me tem envergonhado a mim e a tantos artistas que nele vivem. Esta é a realidade, que até a mim, que felizmente não passei e espero nunca passar essas necessidades, me tem obrigado a reinventar sistemáticamente e a "criar emprego" para mim mesma. Talvez sinta, que tenha alguma visão, que seja dotada de algum pioneirismo, talvez seja persistente e não me deixe ir abaixo, quando quantas vezes, ao olhar o panorama triste que o meio artístico se tem tornado, é o que me apetece. Desistir. E quantas vezes sou criticada. E quantas vezes me questiono, se vale realmente a pena!?
O problema da desistência? Principamente para pessoas que vivem efetivamente do trabalho, sem "padrinhos", sem famílias ricas? A falta de dinheiro para cobrir as necessidades básicas. Uma tristeza. Uma angústia. Dores de estômago constantes, a par das cartas dos bancos, das finanças, das contas dos supermercados, das necessidades dos filhos...
Quantas vezes "nos" apontam os dedos.. a qualquer coisa. Se fazes é mau. Se não fazes és preguiçoso ou mal agradecido. A qualquer atitude menos perfeita, a alguma resposta torta, a alguma cara menos simpática, a algum comentário pouco oportuno. Quantas vezes, a imprensa vasculha a tua vida, te pinta de negro... quando... me pergunto: Quem não tem telhados de vidro? Quem não viveu histórias difíceis ou tem familiares que erraram aqui ou ali? Quem não tem? Vocês? Os jornalistas? O público? Não acredito.
Por isso e pela procura incessante de trabalho (acordar todo o santo dia e pensar: o que vou fazer para o mês que vem? Tenho que ir batalhar, procurar, criar...), ser Artista e/ou empreendedor não é facil mesmo. E por isso, ainda é mais feio que "se fale do que nao se sabe..". Continuar "Aqui" também é uma luta, garanto-vos.
Onde quero chegar com isto? Que nem toda a gente consegue, infelizmente dar a volta e que rezo para que nunca me veja numa aflição destas. Que o meio artístico, está cheio "de modas descartáveis" e que isso faz com que essses "insta-famosos" não cheguem sequer a lado nenhum com os seus 15 minutos de fama mas, no fundo como aparecem em vagas e como o país é mínimo, tirem tantas e tantas vezes o trabalho ( e os cachets justos a quem os merece, por estar "aqui" a provar o seu talento e força, há anos). Que acredito, que haja artistas como a Dora, que se cansem de fazer "figura de palhaça triste"no seu proprio país. Sim, porque é assim que muitas vezes nos sentimos efetivamente, depois de um espetáculo ou evento, quando as luzes se apagam e nos vemos de novo sozinhos na nossa realidade... e começamos a fazer contas à vida.
Acredito que mês, atrás de mês, sem espetáculos... ou espetáculos pagos a preço da chuva ( porque respostas como " olhe lá.. por esse valor trago 3 presenças da "Casa dos Segredos" são a ordem do dia, até para mim...) a tenham feito entrar em desespero. Com 3 filhos e contas para pagar, a sua opção foi uma opção válida e de tirar o chapéu. Até porque, acreditem que depois de tomada a decisão, nem sempre se pode apresentar fácil. Muitos não te oferecem trabalho, exatamente pela simples razão de que és "conhecida"...
Conto-vos em confidência que há uns anos atrás, quando deixei o "Curto Circuito" da Sic, cheia de certezas de que era boa no que fazia e de que "sem dúvida" a vida me correria bem, dei por mim, sem propostas de trabalho e passado uns meses comecei a ficar aflita. A solução acabou por ser algo que definiu depois a minha vida ( tornei-me RP de uma casa famosa na noite Lisboeta, a antiga Kapital e assim entrei no meio que depois, passo a passo me levou a optar por ser DJ- aliás a "moda dos RPs famosos" acho que nasceu aí, rolava o ano de 2002 ou 3 acho...) e assim começaram a entrar uns trocos. No entanto, antes ainda me desdobrei em contactos para trabalhar na minha área ( tenho o curso de jornalismo da ESCS e tinha formação na área de eventos), pedindo oportunidades a "amigos" que não me atendiam o telefone ou respondiam às mensagens ( alguns deles com quem hoje tenho que me dar cordialmente ainda por questões de trabalho e que provavelmente nem se lembram disso, mas que ficaram marcados na prateleira dos ingratos e interesseiros...).
Lembro-me, por exemplo de ter abordado um diretor de uma revista (porque já tinha escrito crónicas para essa publicação) para, quiça, integrar a redação como jornalista. Com um ordenado justo, "normal", com as tarefas e deveres iguais aos colegas de "carteira". Sabem o que me responderam? "Ó Rita, como é que queres que te ponha a trabalhar par a par com quem já te fez montes de entrevistas como celebridade? Achas que eles se iam sentir bem? Quando fosses fazer uma reportagem até ia parecer os Apanhados...."... E com esta enfiei, a viola no saco e mais uma vez percebi que ser "famoso" em Portugal sucks... Existe também perconceito também contra quem tem visibilidade pública, acreditem.
Costumo dizer entre amigos, que se "Eu fosse Eu" noutro país do Mundo estava milionária. E o mesmo estaria a Dora e tantos outros. Sim, porque uma única canção de sucesso num país como os Estados Unidos ou no Brasil, por exemplo, se a pessoa tiver "cabecinha" pode oferecer-lhe um bom ordenado para o resto da vida. A sério, não estou a brincar!! Aqui? Os agentes roubam a torto e a direito, os promotores ficam-nos a dever dinheiros, os discos são mal promovidos e... quase não se vendem, as editoras ficam com metade dos (curtos) lucros. E voltamos ao mesmo... a cada dia que passa, os espetáculos dos artistas "à séria" estão a ser substituidos por "aparições" de emergentes. E o triste é que é disso que o povinho gosta.
Voltemos à Dora e aos trabalhos considerados "menores"... lembro-me de dizer, que se um dia tivesse que trabalhar numa loja, fá-lo-ia mas de cabeleira preta de franjinha. Dizia-o com uma certa ironia, mas, no fundo não estava a brincar assim tanto. "Trabalhar não é vergonha, antes pelo contrário"! Agora todos o dizem à boca cheia, parece que fica bem... mas olhem lá... não foi capa de revista? Não foi motivo de conversinha? Não sabem todos o que ganha? E como acham que a Dora se sente? Orgulhosa? Não meus amigos e amigas, quase que vos garanto que não. Orgulhosa estaria se a sua carreira estivesse sido relançada depois do programa " A tua cara não me é estranha"... orgulhosa estaria se estivesse a obter dividendos por fazer o que ama. Aqui? No seu trabalho "das 8 às 8"... está a desenrascar-se pessoal. Pura e simplesmente isso!
E como acham que ela se sente com esta mediatização da "desgraça"? Mal. Ninguém gosta que esmiúcem a sua vida. Vocês gostavam?
No entanto e aqui, reside a minha admiração, talvez fosse este o passo que faltava para que se comecem a mudar mentalidades neste Portugal dos Pequeninos. Porque talvez esta "provação" que esta artista está a passar, faça abrir os olhos do povo e especialmente da imprensa cor de rosa (que é quem manipula e formata os pensamentos do público) para algo que é normalíssimo noutros países, recheados de artistas talentosos... Sim, quando não há trabalho, na área artística, os atores, cantores e afins... servem à mesa, trabalham em lojas de roupa... basta ir a Nova Iorque.
Podem dizer-me. " ah mas não alguém com um protagonismo grande como figura pública". E eu volto a dizer-vos: " Sim... nesses países esses tornam-se milionários, neste acabamos todos por ser desenrascados"..
Grande Dora. E grandes todos os outros que procuram ou procuraram alternativas. Gosto de pessoas fortes e ela é-o, sem dúvida. Aqui se vê de que fibra é feita a "miúda". Melhor essa "saída" do que algumas menos honrosas, se é que me percebem.. (e olhem que há umas quantas no meio que optaram por essa via..)
Pequenos são também os que ficam presos à sua Pseudo fama e se escondem em casa deles ou de outros a quem se "colam" com histórias tristes e a viver de ajudas alheias, porque " não se podem expor", "porque é uma vergonha", gente que se "decide" a viver depressões e a tentar (ou fingir) pôr termo à vida. Não me levem a mal mas é a minha opinião. Sei do que falo, por experiência própria. Não falo de cor. E olhem que dos "segredos" dos famosos sei eu o que quero e o que não quero...
E por aqui me fico, enviando um grande xi-coração cheio de boa energia a esta Mãe, Mulher e Artista (sim, porque não o deixa de ser), esperando que mesmo que tenha que continuar a trabalhar fora da área dela, pelo menos consiga arranjar algo menos mal pago e fora da conotação pejurativa que tem o Mac. ( nada contra, mas vocês sabem do que estou a falar..). Se não.... bola prá frente minha linda! Continua a tua luta como a considerares justa e legítima e boa sorte para o futuro. Mereces.
E apesar de tudo, acredito que um dia destes te reencontre aí nas "cantorias" a mostrares o que vales! Força!!
PS: E aqui.. não há foto do Mac Donalds. Cum caraças! A mulher é cantora, é linda, tem um brilho muito especial. Prefiro mostrá-la assim do que de farda cor acastanhada. Não concordam?